Voto de confiança

Por Ives Gandra da Silva Martins*

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A expressão “voto de confiança”, nos sistemas parlamentares de governo – cujo início se dá em 1689, na Inglaterra, com o governo de Orange, momento em que se separam as funções de chefe de Estado e chefe de governo –, tem especial significado. Equivale a saber se o chefe de governo continua ou não a merecer o apoio do povo para governá-¬lo, expresso pela manifestação de seus representantes no Parlamento.
 
 A realidade do presidencialismo – salvo a experiência do país que o criou (EUA) – tem sido particularmente negativa, principalmente no contexto latino-¬americano, pois tem gerado “sistema gangorral” entre ditaduras e semidemocracias, com constantes rupturas institucionais em quase todos eles. Basta dizer que quando Lijphart escreveu seu clássico Democracies, em 1984, encontrou, sem violações democráticas, 19 países parlamentaristas e 1 presidencialista. 
 
É que os países presidencialistas, exceção à experiência americana, não geram partidos políticos, sendo muito mais governos de pessoas e não de ideias, de donos de legendas e não integrantes de uma agremiação partidária com ideologia definida. 
 
Não sem razão, tem o Brasil 35 partidos políticos, 28 com representação no Congresso Nacional, enquanto a maioria dos países parlamentaristas tem em torno de 5, com representação nacional, raramente ultrapassando 10. Quando se diz que o Brasil não pode adotar o parlamentarismo porque não tem partidos políticos, deve¬-se responder que o Brasil não possui partidos políticos porque não adotou o parlamentarismo.
 
É o parlamentarismo o sistema de governo – prefiro a expressão sistema a regime, por ser o regime uma ordenação inserida num sistema – de “responsabilidade a prazo incerto”, enquanto o presidencialismo, o sistema da “irresponsabilidade a prazo certo”. 
 
No parlamentarismo, eleito um irresponsável, é derrubado pelo Parlamento por um voto de desconfiança. No presidencialismo, sua derrubada, sem ruptura institucional, só se dá por meio do processo traumático do impeachment. Não há “voto de desconfiança” capaz de afastá¬lo, mesmo que tenha deixado de ter a confiança do povo que o elegeu. 
 
Em outras palavras, como nenhum governo governa sem a confiança do povo, o parlamentarismo encontrou os meios para, sem traumas, afastar o mau governo e substituí¬lo por governos que recebam o apoio popular atual. No presidencialismo, um governo que não conta com a confiança da sociedade e abalado por toda espécie de vícios, até por atos provados de corrupção, só pode ser afastado por maioria qualificada no Parlamento. No Brasil, dois terços dos parlamentares da Câmara e do Senado. 
 
Por isso a História brasileira é rica em golpes de Estado, sem contar um suicídio e um impeachment. Ostenta nossa República nítida demonstração de fracasso do sistema adotado, lembrando que até mesmo a monarquia, quando conviveu com o parlamentarismo, teve maior duração democrática que qualquer período presidencialista. 
 
Como última observação, lembro que, com voto distrital (puro ou misto), Banco Central autônomo, burocracia profissionalizada, além de cláusula de barreira para criação de partidos e fidelidade partidária, com poucas exceções para mudança de legendas, todas elas com nítida conformação ideológica, o parlamentarismo funciona, como ocorre nos países desenvolvidos e emergentes, incluídos alguns com crises religiosas graves, como a Índia, ou pequeno desenvolvimento, como a Tailândia. 
 
O Brasil, com 35 legendas – não conheço nenhum filósofo capaz de formular 35 ideologias políticas distintas –, é prova inquestionável de que o sistema é propiciador de variadas negociações pouco saudáveis, na troca de cargos e favores. Não sem razão, nossa carga tributária é superior à de EUA, Coreia do Sul, Japão, Suíça e semelhante à da Alemanha, em grande parte para atender exclusivamente aos governantes e seus amigos enquistados ou agregados às delícias do poder. 
 
O governo Dilma constitui nítida demonstração da falta que faz o parlamentarismo. 
 
Dilma passará para a História como a mãe do retorno à inflação, a mãe da maior recessão do País, a mãe do desemprego, a mãe do governo mais corrupto da História mundial, a mãe das teorias econômicas equivocadas, a mãe da imprecisão vernacular em seus ininteligíveis discursos políticos, a mãe da inabilidade política e das promessas não cumpridas, a mãe das escolhas fracassadas, a mãe, pois, do pior governo da República brasileira. 
 
Quando os índices de sua popularidade rondam permanentemente a casa dos 10%, é que de há muito o índice de confiança do brasileiro deixou de sustentá-¬la, algo que também há muito tempo, em sistema parlamentar de governo, teria permitido, sem traumas, seu afastamento. 
 
Para se manter, todavia, a qualquer custo, vive de concessões e apoios a parlamentares para evitar o impeachment, sem conseguir investimentos para o Brasil. Prevê-¬se queda do PIB de 10% em seus dois primeiros anos deste mandato. Tudo por falta de confiança da sociedade na sua capacidade de governar. 
 
O desastre do governo Dilma, que coroa o fracasso populista do lulopetismo, não pode sequer ser salvo por projetos sociais, baratíssimos, de resto, pois o Bolsa Família custou aproximadamente R$ 20 bilhões em 2014, para uma receita tributária muito superior a R$ 1 trilhão.
 
Embora quem tenha de mudar a Constituição sejam aqueles que foram eleitos pelo sistema atual e, portanto, usufruem suas benesses, entendo que chegou o momento de o povo começar a considerar o sistema parlamentar de governo para votar nas próximas eleições naqueles que estiverem dispostos a defendê¬lo. Se tivéssemos o sistema parlamentar, há já algum tempo a crise recessiva teria sido superada e a presidente Dilma poderia estar usufruindo os prazeres da velhice, cuidando de seus netos. 
 
*Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das Universidades Mackenzie, Unip, Unifieo e UniFMU, do CIEE/”O Estado de São Paulo”, da Eceme, da ESG e da Escola de Magistr

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