Empresas investem na prevenção para inibir o uso de drogas

Estratégias podem começar já no processo de admissão

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O funcionário começa a faltar às segundas-feiras e após feriados. Demora para voltar ao trabalho depois do almoço. Passa a ir mais ao banheiro. Seu rendimento apresenta oscilações. Ele tem dificuldade de concentração e precisa de mais tempo para realizar suas tarefas. Mudanças bruscas de humor e transtornos na relação com o chefe e os colegas tornam-se comuns, bem como desleixo com a aparência e a higiene, endividamento e pedidos de dinheiro emprestado.
 
Segundo o médico Marco Sergio Martins, diretor da consultoria GTS, especializada em gestão de saúde e qualidade de vida, esses são alguns dos sinais característicos de um grande causador de absenteísmo e queda de produtividade nas empresas: a dependência química. Trata-se de um mal bastante democrático, na definição de Martins, por atingir todas as classes na sociedade – e o mesmo vale para os níveis hierárquicos das companhias. "Já presenciamos diretores com sérios problemas de dependência e toda a equipe de recursos humanos de mãos atadas por não ter como fazer uma abordagem adequada", conta.
 
Desvelar a dependência é o primeiro passo – e entrave – para tratá-la, uma vez que essa costuma ser uma doença da negação. O doente nunca admite ser dependente. Muitas vezes, é necessária uma ação conjunta da área de recursos humanos, do departamento médico da corporação, de um consultor externo e mesmo de familiares do funcionário. "Provas que evidenciam o uso são documentadas e apresentadas a ele em uma reunião. Por exemplo, os atrasos, as faltas, as licenças médicas, os acidentes no trabalho e o não cumprimento de compromissos", afirma o diretor da GTS.
 
Como o desgaste financeiro, emocional, social e produtivo provocado por um caso desse tipo é significativo, várias grandes empresas instituem programas de combate ao uso de drogas. Mauricio Yonamine, que possui doutorado em toxicologia pela Universidade de São Paulo (USP) e atua na aplicação de análises toxicológicas, afirma que essas iniciativas se baseiam, primariamente, na prevenção – com palestras de conscientização, por exemplo. "Caso um funcionário seja identificado como usuário, ele será encaminhado para o departamento médico e tratado conforme o caso."
 
A Philips, multinacional de origem holandesa, possui uma estrutura capaz de atender funcionários dependentes desde 1984, de acordo com Cristiane José, gerente de RH – Saúde e Bem-Estar da companhia. Em 2006, uma política de prevenção, reeducação e tratamento para dependência química foi divulgada internamente. "Além do plano de saúde, os colaboradores contam com uma rede exclusiva de psicoterapeutas e psiquiatras especializados", diz ela. A empresa tem também um canal 0800 para que empregados com problemas como o de uso de drogas possam pedir ajuda.
 
Um dos pilares mais importantes do programa, ressalta Cristiane, é o de educação, com o objetivo de sensibilizar as pessoas em relação ao tema. Há campanhas mais específicas, como a de combate ao alcoolismo, empreendida na época do Carnaval. O estopim da doença muitas vezes se esconde nas fronteiras difusas entre o consumo considerado "social" e sua evolução para um quadro patológico. Campanhas desse tipo na Philips se valem de diferentes meios de propagação como palestras, cartazes e intranet. "Em 2011, formamos um grupo de teatro em que os atores estudaram sobre dependência química para fazer uma peça a respeito", conta a gerente.
 
O departamento de saúde e bem-estar tem sete profissionais capacitados para lidar com casos de uso de drogas. Segundo Cristiane, é preciso uma abordagem adequada do profissional com o intuito de ofertar ajuda para o tratamento. Todas as ações são feitas de forma sigilosa. O tabagismo é atacado por um programa específico desde 2003 – antes disso, as iniciativas para combatê-lo eram pontuais. O tratamento via reposição de nicotina é feito no ambulatório da própria companhia. Psicoterapia ou acupuntura, via plano de saúde, podem ser necessários. A empresa também pode orientar funcionários e familiares com dependências diversas como, por exemplo, em remédios para dormir ou para emagrecer, jogo ou internet.
 
Entre os anos de 1987 e 1988, Paulo Celso Gonçalves, hoje com 60 anos, era chefe no setor de benefícios de previdência privada da Philips, uma espécie de "departamento pessoal que cuidava dos aposentados da empresa", conforme ele define. Naquele tempo, conta que bebia quase todos os dias e que isso prejudicava seu desempenho profissional. "Meu rendimento piorava muito, a memória falhava e deixava coisas para fazer depois."
 
Uma assistente social que ficava no mesmo andar que ele percebeu o problema e o convidou para assistir a uma palestra sobre alcoolismo, realizada na própria organização. "Prestei muita atenção e parecia até que o orador estava contando a minha história". A partir daquele momento, Gonçalves passou a buscar orientações com a assistente como se fosse para uma terceira pessoa, uma espécie de personagem fictício que criou. Pouco depois, assistiu a mais uma palestra, dessa vez proferida por outro executivo da empresa que era dependente, e tomou sua decisão. "Percebi que estava errado e abri o jogo. Em 1989, parei de beber."
 
Abandonar o hábito requereu amparo da família, da assistente social e do chefe. "No início foi terrível. Sentia os efeitos da abstinência, mas continuei trabalhando normalmente e não precisei ser internado. A gente acha que ninguém percebe, mas meu diretor já havia observado a situação. Ele sempre acompanhou o caso e deu todo o apoio", ressalta. Ter se conscientizado da doença, diz, foi fundamental para vencê-la. Após largar a bebida, passou a ajudar aposentados da própria empresa que enfrentavam o problema. Em 1996, deixou a Philips para abrir um negócio próprio em Pedreira, interior de São Paulo.
 
Nem sempre um executivo que passa por um processo de recuperação consegue exercer suas funções profissionais. Dependendo da avaliação médica, ele poderá ser tratado no ambulatório – e assim permanecer no trabalho – ou ser submetido a um período de internação, que em média dura de 30 a 60 dias, segundo Martins, da GTS.
 
A responsabilidade pelas despesas varia de acordo com a corporação, esclarece Yonamine, da USP. "Conhecemos empresas que custeiam grande parte de um primeiro tratamento, e o restante é pago pelo próprio funcionário. Se ocorrer

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