Medicina e enfermagem devem, sempre, ser caminhos espirituais! Começa, aqui, o valor da segurança do paciente.
O "primum non nocere" de Hipócrates é a minha primeira noção sobre segurança do paciente, mas a enfermeira inglesa Florence Nightingale, na guerra da Criméia, entre os anos de 1853 e 1856, ditava que em primeiro lugar a prioridade era a segurança dos soldados, frente a elevada mortalidade nos hospitais de campanha. "Que os benefícios sejam alcançados com os menores riscos para os pacientes", dizia Nightingale.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que de 20% a 40% dos gastos com saúde se perdem na má administração e com cuidados de má qualidade. Penso que a segurança do paciente seja um problema global de saúde pública, fundamental, no qual concorrem prestadores, operadoras e os próprios pacientes. Como se fosse o ponto central de uma humanização sustentável da medicina para a segurança do todo. É aqui que deve haver, na relação com o paciente, um tempo para ouvir, para entender e para refletir.
Na humanização dos cuidados à saúde aparece o sentimento da compaixão e o resgate pela paixão de cuidar, como escreve a médica Rita Charon: "Aquilo que circula em qualquer meio que banha todo e qualquer ser humano, todos os dias, são narrativas que contamos, que guardamos, que ouvimos, que sonhamos, que imaginamos, com que crescemos, que lemos, que escrevemos, que assistimos, que tememos!” Como entusiasta da medicina sóbria, respeitosa e justa (slow medicine), Rita Charon fala em seu livro da importância de se ouvir mais do que perguntar, junto à cama do paciente, para entender, para refletir! É um retrato de quanto é justo um cuidado mais consciente.
De sua própria narrativa ela conta: "Conforme o paciente fala, escuto o máximo possível – não tomando notas durante a entrevista – sem interromper, a menos que seja muito necessário, não indicando, de uma maneira ou de outra, o que considero saliente, significativo ou interessante. Eu tento o melhor para registrar a dicção, a forma, as imagens, o ritmo do discurso. Eu presto atenção – enquanto me sento na borda da cadeira, junto à cama, absorvendo o que está me falando – metáforas, expressões idiomáticas, gestos, bem como o enredo e as personagens representadas para mim pelo paciente… Eu ouço não apenas o conteúdo de sua narrativa, mas também a sua forma…seus silêncios, onde ele escolhe começar a contar de si mesmo, como ele sequencia os sintomas com outros eventos de sua vida. Após alguns minutos, o paciente para de falar e começa a chorar. Eu pergunto por que ele chora. Ele diz: ninguém nunca me deixou fazer isso antes."
Este é o significado de se permitir ao médico tempo suficiente para interagir com o paciente sem comprometer a qualidade da atenção médica. Pode ser a base da segurança, quando os cuidados são mais humanos, mais éticos, mais efetivos.
Dos inúmeros exemplos de segurança do paciente, este texto é apenas um que retrata o que li e busquei em "Slow Medicine”, Rita Charon e em "Narrative medicine, honoring the stories of illness (2016); Medicina narrativa, Rita Charon (2019); Bioética, Charon et ali, (2020).
Proteger o paciente garantindo a sua segurança é dever de todos, principalmente daqueles médicos e enfermeiros diretamente envolvidos nesta nunca terminada busca de alcançar seu mais nobre desejo.
José Carlos Barbério, presidente do IEPAS – Instituto de Ensino e Pesquisa na Área da Saúde